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quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Marcelo, marmelo, martelo

 Ruth Rocha


Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo:
— Papai, por que é que a chuva cai? 
— Mamãe, por que é que o mar não derrama?
 — Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas? As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como responder. 
— Ah, Marcelo, sei lá... 
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
 — Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo? 
— Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
 — E por que é que não escolheram martelo? 
— Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta... 
— Por que é que não escolheram marmelo? 
— Porque marmelo é nome de fruta, menino! 
— E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo? 
No dia seguinte, lá vinha ele outra vez: 
— Papai, por que é que mesa chama mesa? 
— Ah, Marcelo, vem do latim. 
— Puxa, papai, do latim? E latim é língua de cachorro? 
— Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga. 
— E por que é que esse tal de latim não botou na mesa nome de cadeira, na cadeira nome de parede, e na parede nome de bacalhau? 
— Ai, meu Deus, este menino me deixa louco! 
Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai: 
— Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo: por que é que bola chama bola? 
— Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra?
— Lembra, sim, mas... e bolo? 
— Bolo também é redondo, não é? 
— Ah, essa não! Mamãe vive fazendo bolo quadrado... O pai de Marcelo ficou atrapalhado. 
E Marcelo continuou pensando: "Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar assim". 
Logo de manhã, Marcelo começou a falar sua nova língua: 
— Mamãe, quer me passar o mexedor? 
— Mexedor? Que é isso? — Mexedorzinho, de mexer café.
 — Ah... colherinha, você quer dizer. 
— Papai, me dá o suco de vaca? — Que é isso, menino! 
— Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira.
 — Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino? 
O pai de Marcelo resolveu conversar com ele: 
— Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome porque, senão, ninguém se entende...
 — Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas? — Deixe de dizer bobagens, menino! Que coisa mais feia! 
— Está vendo como você entendeu, papai? Como é que você sabe que eu disse um nome feio? O pai de Marcelo suspirou:
 — Vá brincar, filho, tenho muito que fazer... 
Mas Marcelo continuava não entendendo a história dos nomes.
 E resolveu continuar a falar, à sua moda. 
Chegava em casa e dizia:
 — Bom solário pra todos...
 O pai e a mãe de Marcelo se olhavam e não diziam nada. E Marcelo continuava inventando: 
— Sabem o que eu vi na rua?
 Um puxadeiro puxando uma carregadeira.
 Depois, o puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado. 
A mãe de Marcelo já estava ficando preocupada.
 Conversou com o pai: 
— Sabe, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de inventar nomes para as coisas... 
Você já pensou, quando começarem as aulas? 
Esse menino vai dar trabalho... 
— Que nada, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisa de criança... 
Mas estava custando a passar...
 Quando vinham visitas, era um caso sério. 
Marcelo só cumprimentava dizendo: 
— Bom solário, bom lunário...
 — que era como ele chamava o dia e a noite. 
E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas. 
Até que um dia... O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que Seu João tinha feito para ele. 
E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o cachorro de Latildo. 
E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo.
 Alguém jogou uma ponta de cigarro pela grade, e foi aquele desastre! 
Marcelo entrou em casa correndo: 
— Papai, papai, embrasou a moradeira do Latildo!
 — O quê, menino? Não estou entendendo nada!
 — A moradeira, papai, embrasou... 
— Eu não sei o que é isso, Marcelo. 
Fala direito! 
— Embrasou tudo, papai, está uma branqueira danada! Seu João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada... 
Quando Seu João chegou a entender do que Marcelo estava falando, já era tarde. 
A casinha estava toda queimada.
 Era um montão de brasas.
 O Godofredo gania baixinho... 
E Marcelo, desapontadíssimo, disse para o pai:
 — Gente grande não entende nada de nada, mesmo! 
Então a mãe do Marcelo olhou pro pai do Marcelo. 
E o pai do Marcelo olhou pra mãe do Marcelo. E o pai do Marcelo falou: 
— Não fique triste, meu filho.
 A gente faz uma moradeira nova pro Latildo.
 E a mãe do Marcelo disse: 
— É sim! Toda branquinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem vermelhinho... 
E agora, naquela família, todo mundo se entende muito bem.
 O pai e a mãe do Marcelo não aprenderam a falar como ele, mas fazem força pra entender o que ele fala. E nem estão se incomodando com o que as visitas pensam...


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