Delia Lerner
Escrever não é copiar. Sabemos hoje que a cópia não é a chave que abre as portas da escrita. Sabemos que aprendemos a escrever escrevendo (produzindo textos baseados nas próprias hipóteses, refletindo e discutindo sobre elas) el endo, esforçando-se para interpretar o que outros escreveram convencionalmente. Faz sentido, então, incluir a cópia nas atividades escolares?
Sim, porque a cópia é uma prática a que todos recorremos fora da escola, quando queremos guardar uma receita, a letra de uma música, certa idéia de um autor.
Sim, porque a cópia implica uma intensa atividade intelectual. Não é uma reprodução mecânica (por isso, o resultado nem sempre é idêntico ao modelo). Só podemos copiar aquilo que, de algum modo, conhecemos: uma coisa é copiar um parágrafo escrito em um idioma conhecido e outra é copiá-lo em um idioma desconhecido. Copiar requer saberes específicos. Quando copiam, as crianças usam tudo o que sabem para que o texto fique o mais parecido possível com o original. Copiar pode ser, então, um desafio.
A cópia pode ajudar na aprendizagem quando contribui para a aquisição de uma forma fixa que será fonte de informação para produzir outras escritas; quando o aluno está escrevendo e busca numa palavra conhecida uma parte que serve para escrever outra palavra (para “livro”, pode procurar “li” em “limão”, por exemplo); quando elabora a ficha de um livro para a biblioteca e precisa localizar o título e o nome do autor; quando quer citar um verso de um poema ou uma frase de um personagem; quando se propõe a copiar um texto para conservá-lo ou enviá-lo a um destinatário.
Se reconhecermos que a cópia é somente uma das atividades que contribuem para a aquisição da escrita, se a incluirmos como recurso para resolver problemas de produção, se não esperarmos que o resultado seja cópia fiel do modelo e apreciarmos as diferenças como expressão da atividade intelectual das crianças no processo de reprodução, então podemos dar lugar à cópia no processo de alfabetização.
Delia Lerner é profesora titular do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Buenos Aires.
Publicado em 22/07/2008
Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/noticias_ler_coluna.php?txtId=397